PRIMEIRO
DIA
A
oração mental
I.
– Filho, quanto me consola ver-te
prostrado a meus pés, para que eu te ilumine e fale ao teu coração!
Tu tens maior necessidade das minhas luzes e
auxílios que os outros; porque as minhas verdades, soando continuamente em teus
lábios e em teus ouvidos, já te não impressionam.
Entrega-te pois a mim, reflecte, pensa, medita;
porque todo o mal nasce da falta de meditação. Por isso o mundo está tão
extraviado e pervertido; por isso há tantos sacerdotes só no nome, e tão poucos
na realidade e na virtude. Mas põe de parte a consciência dos outros, e cuida
somente da tua.
Se tens caído no pecado, filho, porque não recorres
à oração? Todas as boas obras, ainda as mais santas, como a esmola, a
austeridade, a pregação, até a celebração do tremendo Sacrifício da Missa,
podem existir com o pecado; porém pecado com devota e frequente meditação não
pode[1].
Se queres livrar-te dele, a meditação é o remédio;
se temes a recaída, a meditação é a arma e escudo contra as tentações que
padeces, e contra os perigos do século celerado em que vives; é a fornalha
donde extrairás a chama, que deve inflamar-te em santo empenho de cumprires
todas as tuas obrigações, que são tantas e tão graves!
Então ditoso de ti! Já não cometerás novos pecados;
resgatar-te-ás dos passados e, satisfazendo-me por meio da penitência, fervor e
edificação das almas, crescerás de virtude em virtude, e chegarás a ser, como
outros muitos, um santo. Doutra sorte serás um eclesiástico só na aparência, um
profano vestido de Sacerdote ou de Religioso; serás um miserável coberto de
pecados até a morte[2].
Ah! Filho, se compreenderas bem a necessidade que
tens da oração mental!...
II.
– Filho, a minha Igreja, as almas
remidas como meu sangue esperam que tu me aplaques; que sustentes e fortaleças
os justos; que convertas, doutrines, inflames e salves os pecadores. Os
seculares se encomendam continuamente às tuas orações; para este fim te dão
esmolas e gozas dos bens da Igreja; para este fim te constitui Sacerdote e
advogado, não só dos vivos, mas também dos mortos.
Porém dize-me, filho, satisfarás a estes deveres sem
oração? Imaginas que para suspender meus flagelos, obter a paz, santificar as
almas, basta um Memento, que dura
tanto quanto um Credo, ou poucas orações vocais sem devoção? Como hás de
inflamar os outros, se o teu coração é gelo? Como os comoverás, se tu não estás
comovido? Não basta, filho, não basta ciência nem eloquência para salvar almas:
vale mais uma só palavra nascida de um coração abrasado na oração, que cem
sermões de um teólogo vão e dissipado. Se queres ganhar almas para mim,
entrega-te à oração: assim o praticaram todos os varões apostólicos; assim o
pratiquei eu mesmo para te dar o exemplo.
Na oração receberás as luzes, graças e fervor
convenientes para as encaminhar. Assim afervorado, conhecerão os seculares que
não exerces o teu ministério só por ofício ou costume; e eu mesmo hei de
contribuir com aquelas graças que me pedires, que redundarão em grande proveito
deles e também teu; pois, filho, de que te serviria teres salvado o mundo todo,
se perdesses a tua alma?
III.
– Eia, filho, vem todos os dias a meus
pés; vem consolar meu coração. Acharás que o meu trato te não causa pena; antes
será o teu conforto, a tua consolação e a origem de todo o bem.
Dize-me, pois, que resolução tomas? Tens tempo para
tudo e para todos; e só o não terás para mim e para a tua alma? Tens talento e
capacidade para as ciências, para os interesses terrenos, para longas e
profundas meditações sobre objetos muitas vezes a mim desagradáveis, e a ti e
ao teu próximo perniciosos; e não o terás para pensar em tuas obrigações e na
ciência dos Santos?
Se não sabes, eu serei teu mestre; e assim como a meus discípulos abri os tesouros
da minha celestial doutrina, assim te farei gostar os meus dons, e te encherei
do meu espírito. Aprenderás mais junto à minha Cruz que na leitura de todos os
livros.
Tantos pobres, afadigados, rudes e ignorantes têm
tempo, e têm-no todos os dias, e assim meditando chegam a conseguir a eminente
ciência da santidade; e não o terás tu, nem saberás, nem quererás?
Deixar-te-hás vencer deles?
Por amor de ti eu passei noites inteiras em oração;
derramei vivo suor de sangue no Horto; e por mim não quererás gastar uma hora
em corresponder-me?!
Fruto.
– Propõe fazer todos os dias ao menos meia hora de meditação. Procura munir-te
de algum livro concernente ao teu estado, como as Meditações de Bevellet, as do Pároco de Lião, as de Rogério e
outras. Entretanto usa do presente livrinho; e procura ganhar as Indulgências,
concedidas por Bento XIV a quem ensinar, aprender e praticar este santo
exercício.
A meditação é prescritiva a todas as Ordens
Regulares nas respectivas Constituições. S. Francisco de Assis e S. Boaventura
dizem que sem exercício da meditação, o
Religioso nunca terá virtude e ao final se perderá. S. Francisco de Sales
queria que todo o eclesiástico prefixasse uma hora cada dia para meditar; o que
o Santo observava inviolavelmente.
S. Carlos mandava que os ordinandos fossem
examinados sobre se sabiam fazer oração, se a praticavam, e o fruto que dela
tiravam; quando ignorassem esta matéria, não eram promovidos às Ordens sacras.
Ainda que te aches no estado de aridez, nunca deixes
a meditação: busca não as consolações de Deus, mas o Deus das consolações, e
colherás abundantes frutos.
Grava em teu coração a seguinte máxima do venerável
João d’Ávila: Que é absolutamente inábil
para o sacerdócio quem não é homem de oração.
(Texto
extraído do livro «Jesus Cristo falando ao coração do
Sacerdote», de Bartolomeu do Monte. Imprimatur. Porto, 9 de Abril de 1910 + A., Bispo do Porto / Propriedade Registada / Porto -Typ. de A.J. da Silva Teixeira, Successora Rua da Cancella Velha, 70)
[1]
Perspectum íd velim, nos quamvís culpis, et sceleribus
coopertos precatio deprehendat, illico tamen expiari… Medicinam etenim quandam
expultricem ægritudinum esse constat iis, qui morbis animi conflictantur.
(Crisóst. Homil. 67).
[2]
Ubi vero contigerit, ut
aliquis sit precibus nudus, is a dæmonibus abripitur, et in scelera, exitia,
calamitates impellitur. (Crisóst. ibidem).