terça-feira, 23 de outubro de 2018


PRIMEIRO DIA
A oração mental

I.                   – Filho, quanto me consola ver-te prostrado a meus pés, para que eu te ilumine e fale ao teu coração!
Tu tens maior necessidade das minhas luzes e auxílios que os outros; porque as minhas verdades, soando continuamente em teus lábios e em teus ouvidos, já te não impressionam.
Entrega-te pois a mim, reflecte, pensa, medita; porque todo o mal nasce da falta de meditação. Por isso o mundo está tão extraviado e pervertido; por isso há tantos sacerdotes só no nome, e tão poucos na realidade e na virtude. Mas põe de parte a consciência dos outros, e cuida somente da tua.
Se tens caído no pecado, filho, porque não recorres à oração? Todas as boas obras, ainda as mais santas, como a esmola, a austeridade, a pregação, até a celebração do tremendo Sacrifício da Missa, podem existir com o pecado; porém pecado com devota e frequente meditação não pode[1].
Se queres livrar-te dele, a meditação é o remédio; se temes a recaída, a meditação é a arma e escudo contra as tentações que padeces, e contra os perigos do século celerado em que vives; é a fornalha donde extrairás a chama, que deve inflamar-te em santo empenho de cumprires todas as tuas obrigações, que são tantas e tão graves!
Então ditoso de ti! Já não cometerás novos pecados; resgatar-te-ás dos passados e, satisfazendo-me por meio da penitência, fervor e edificação das almas, crescerás de virtude em virtude, e chegarás a ser, como outros muitos, um santo. Doutra sorte serás um eclesiástico só na aparência, um profano vestido de Sacerdote ou de Religioso; serás um miserável coberto de pecados até a morte[2].
Ah! Filho, se compreenderas bem a necessidade que tens da oração mental!...
II.                – Filho, a minha Igreja, as almas remidas como meu sangue esperam que tu me aplaques; que sustentes e fortaleças os justos; que convertas, doutrines, inflames e salves os pecadores. Os seculares se encomendam continuamente às tuas orações; para este fim te dão esmolas e gozas dos bens da Igreja; para este fim te constitui Sacerdote e advogado, não só dos vivos, mas também dos mortos.
Porém dize-me, filho, satisfarás a estes deveres sem oração? Imaginas que para suspender meus flagelos, obter a paz, santificar as almas, basta um Memento, que dura tanto quanto um Credo, ou poucas orações vocais sem devoção? Como hás de inflamar os outros, se o teu coração é gelo? Como os comoverás, se tu não estás comovido? Não basta, filho, não basta ciência nem eloquência para salvar almas: vale mais uma só palavra nascida de um coração abrasado na oração, que cem sermões de um teólogo vão e dissipado. Se queres ganhar almas para mim, entrega-te à oração: assim o praticaram todos os varões apostólicos; assim o pratiquei eu mesmo para te dar o exemplo.
Na oração receberás as luzes, graças e fervor convenientes para as encaminhar. Assim afervorado, conhecerão os seculares que não exerces o teu ministério só por ofício ou costume; e eu mesmo hei de contribuir com aquelas graças que me pedires, que redundarão em grande proveito deles e também teu; pois, filho, de que te serviria teres salvado o mundo todo, se perdesses a tua alma?
III.             – Eia, filho, vem todos os dias a meus pés; vem consolar meu coração. Acharás que o meu trato te não causa pena; antes será o teu conforto, a tua consolação e a origem de todo o bem.
Dize-me, pois, que resolução tomas? Tens tempo para tudo e para todos; e só o não terás para mim e para a tua alma? Tens talento e capacidade para as ciências, para os interesses terrenos, para longas e profundas meditações sobre objetos muitas vezes a mim desagradáveis, e a ti e ao teu próximo perniciosos; e não o terás para pensar em tuas obrigações e na ciência dos Santos?
Se não sabes, eu serei teu mestre; e  assim como a meus discípulos abri os tesouros da minha celestial doutrina, assim te farei gostar os meus dons, e te encherei do meu espírito. Aprenderás mais junto à minha Cruz que na leitura de todos os livros.
Tantos pobres, afadigados, rudes e ignorantes têm tempo, e têm-no todos os dias, e assim meditando chegam a conseguir a eminente ciência da santidade; e não o terás tu, nem saberás, nem quererás? Deixar-te-hás vencer deles?
Por amor de ti eu passei noites inteiras em oração; derramei vivo suor de sangue no Horto; e por mim não quererás gastar uma hora em corresponder-me?!
Fruto. – Propõe fazer todos os dias ao menos meia hora de meditação. Procura munir-te de algum livro concernente ao teu estado, como as Meditações de Bevellet, as do Pároco de Lião, as de Rogério e outras. Entretanto usa do presente livrinho; e procura ganhar as Indulgências, concedidas por Bento XIV a quem ensinar, aprender e praticar este santo exercício.
A meditação é prescritiva a todas as Ordens Regulares nas respectivas Constituições. S. Francisco de Assis e S. Boaventura dizem que sem exercício da meditação, o Religioso nunca terá virtude e ao final se perderá. S. Francisco de Sales queria que todo o eclesiástico prefixasse uma hora cada dia para meditar; o que o Santo observava inviolavelmente.
S. Carlos mandava que os ordinandos fossem examinados sobre se sabiam fazer oração, se a praticavam, e o fruto que dela tiravam; quando ignorassem esta matéria, não eram promovidos às Ordens sacras.
Ainda que te aches no estado de aridez, nunca deixes a meditação: busca não as consolações de Deus, mas o Deus das consolações, e colherás abundantes frutos.
Grava em teu coração a seguinte máxima do venerável João d’Ávila: Que é absolutamente inábil para o sacerdócio quem não é homem de oração.

(Texto extraído do livro «Jesus Cristo falando ao coração do Sacerdote», de Bartolomeu do Monte. Imprimatur. Porto, 9 de Abril de 1910 + A., Bispo do Porto / Propriedade Registada / Porto -Typ. de A.J. da Silva Teixeira, Successora Rua da Cancella Velha, 70)




[1] Perspectum  íd velim, nos quamvís culpis, et sceleribus coopertos precatio deprehendat, illico tamen expiari… Medicinam etenim quandam expultricem ægritudinum esse constat iis, qui morbis animi conflictantur. (Crisóst. Homil. 67).
[2] Ubi vero contigerit, ut aliquis sit precibus nudus, is a dæmonibus abripitur, et in scelera, exitia, calamitates impellitur. (Crisóst. ibidem).